Tem gente que passa mais tempo escolhendo o filme do que assistindo. Outros ficam trocando de parceiro, emprego ou casa, sempre numa busca incessante de algo melhor que, na verdade, nem sabem exatamente o que é. Sinal dos tempos: nunca tivemos tantas possibilidades e, ao mesmo tempo, nunca nos sentimos tão ansiosos e incompletos. Esse fenômeno tem nome: é o paradoxo da escolha, um velho conhecido da psicologia que ganhou força com o boom da web 2.0 e a explosão das redes sociais.
“Parece que quanto mais opções temos, mais livres e felizes deveríamos ser. Mas o que ocorre é o oposto: o excesso de alternativas gera sobrecarga mental e cognitiva e transforma o prazer de escolher em peso”, explica a psicóloga e professora da Unig, Paula Guidone, citando o livro “Paradoxo da Escolha”, de Barry Schwartz, que trata dessa contradição.
De acordo com ela, cada nova opção adiciona uma camada de comparação — e de dúvida.
“A pessoa começa a imaginar todos os cenários de erro, perda e arrependimento. O famoso ‘e se eu escolher errado?’”, diz a professora, especialista em psicoterapia infanto juvenil e mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz.
É aí que a liberdade vira angústia e o desejo de acertar se transforma em paralisia decisória, gerando um estado emocional que pode afetar desde a vida afetiva até o desempenho profissional. “A pessoa fica tão preocupada em fazer a melhor escolha que ela acaba não escolhendo nada.”
Só para ter uma ideia, um artigo publicado pela Forbes aponta que tentar fazer várias coisas ao mesmo tempo pode aumentar a chance de erros e reduzir a produtividade em até 40%, já que o cérebro perde tempo alternando entre tarefas.
Do streaming ao Tinder: o cansaço das escolhas
A psicóloga explica que esse mal moderno aparece em todos os cantos do nosso cotidiano. “A gente abre uma plataforma de streaming e, diante de centenas de séries e filmes, o cérebro tenta adivinhar qual vai trazer mais satisfação. O resultado é que ficamos exaustos antes mesmo de dar o play”, comenta.
No campo profissional, o excesso de caminhos possíveis gera o que alguns estudiosos chamam de “síndrome da potencialidade infinita”: a sensação de que poderíamos ser qualquer coisa e, por isso, tememos fechar portas. Já nos relacionamentos, os aplicativos criaram um “mercado de opções incontáveis” em que a facilidade de escolher também trouxe a facilidade de descartar.
“Isso alimenta a insegurança, o medo de se comprometer e a ilusão de que sempre existe algo melhor esperando por você lá na frente”, diz Guidone.
Comparação constante: a ansiedade da era das vitrines
As redes sociais intensificam esse ciclo de insatisfação.
“Vivemos numa cultura de hiperexposição. A gente só vê vitrine de sucesso, viagens, corpos, casamentos perfeitos. É o que chamamos de comparação ascendente: comparar a própria vida com quem parece estar em posição melhor. E isso abala a nossa autoestima e nos faz acreditar que a vida do outro é sempre perfeita”, explica.
Segundo a especialista, a lógica da produtividade e da performance também agrava o quadro. “Ficou difícil escolher algo só porque dá prazer ou tem significado pessoal. Parece perda de tempo. Esse modelo transforma a decisão em um ato de desempenho, não de autenticidade.”
Como escapar da armadilha
A boa notícia é que dá pra escolher sem tanta culpa. O primeiro passo, diz Guidone, é reconhecer que decidir é um processo emocional, não apenas racional.
“Antes de listar prós e contras, perceba o que a decisão desperta: medo, desejo, necessidade de aprovação? O autoconhecimento é o melhor antídoto contra a indecisão”, orienta.
Outras estratégias são definir critérios pessoais antes de decidir (“o que realmente importa pra mim nesse momento?”), praticar a autocompaixão (“não existe decisão perfeita”) e estabelecer limites tanto de tempo quanto de opções. “E, acima de tudo, é preciso entender que o que reduz a ansiedade não é ter mais controle, mas ter clareza sobre quem somos e o que valorizamos”, afirma Guidone.
No fim das contas, talvez o segredo esteja em aceitar que toda escolha implica em uma perda, e que abrir mão também é uma forma de liberdade.
5 passos para escapar da armadilha das escolhas infinitas
Reconheça que decidir é emocional, não apenas racional.
Antes de listar prós e contras, perceba o que a decisão desperta: medo, desejo, necessidade de aprovação.
Crie critérios pessoais.
Defina o que realmente importa para você antes de decidir: propósito, estabilidade, crescimento ou prazer. Isso ajuda o cérebro a eliminar o que é irrelevante.
Pratique a autocompaixão.
Aceite que não existe decisão perfeita. Errar faz parte do processo de aprendizagem e mudar de ideia não é fraqueza.
Limite tempo e opções.
Estabeleça prazos e reduza o número de alternativas possíveis. O excesso de escolha cansa a mente e sabota a clareza.
Busque presença intencional.
Em vez de procurar a escolha “ideal”, procure a escolha alinhada aos seus valores. Isso é um gesto de saúde mental.
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